Este artigo enfoca como ponto de discussão o processo lúdico desenvolvido em brinquedoteca da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis – SC. Abrange como objeto de mediação, a biblioteca desta instituição escolar e sua participação enquanto estimuladora do processo lúdico através do livro.
No contexto que esta pesquisa está inserida, dois aspectos devem ser considerados: a) o ingresso recente desta profissional e pesquisadora na área de biblioteca escolar, e b) o ambiente da brinquedoteca na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. Considerando estes dois espaços – biblioteca e brinquedoteca – como unidades de informação e sua ligação com o prazer, o projeto propõe investigar estes dois ambientes, tendo como objeto de questionamento o aspecto lúdico – O quanto a biblioteca escolar explora o lúdico do livro? Sendo a brinquedoteca um lugar onde o lúdico é explorado, como utilizar esta experiência fazendo com que a criança associe o livro como objeto prazeroso, tornando o espaço propício ao estímulo da leitura?
O que se observou durante cinco meses de trabalho (agosto a dezembro de 2004) na Rede Municipal de Ensino, foram atividades paralelas da biblioteca e da brinquedoteca. Na brinquedoteca observou-se a contação de histórias, elaboração de brinquedos com sucata, confecção de um livro pelos alunos, planejamento das atividades conforme conteúdo programático dos professores, uso dos brinquedos de forma orientada, a interação das crianças, o respeito e a educação, o lúdico como facilitador no processo de aprendizagem. Na biblioteca foram evidenciadas atividades de incentivo à leitura como a hora do conto e o empréstimo de livros. É bem diferenciado o trabalho desenvolvido nestes dois espaços, contudo, a experiência de uma brinquedoteca vem acrescentar, estimular e questionar o quanto a biblioteca também pode oferecer em termos de espaço atraente e o quanto o bibliotecário escolar pode trabalhar a ludicidade que a literatura infantil proporciona.
O objetivo geral da pesquisa foi explorar o lúdico do livro por meio da parceria entre biblioteca e brinquedoteca em unidade escolar de ensino fundamental, tendo como objetivos específicos: a) desenvolver o hábito da leitura? b) enfocar a leitura como prazer; c) fomentar a evolução educativa do aluno na busca por novos conhecimentos através da parceria entre a biblioteca e a brinquedoteca; d) trocar experiências lúdicas entre brinquedoteca e biblioteca; e) identificar metodologias e ações direcionadas ao lúdico do livro e? f) ampliar a parceria entre educadores e bibliotecários.
A pesquisa visa construir um suporte teórico-prático para pesquisadores e bibliotecários da área. Foi elaborada para auxiliar na construção do conhecimento científico e levantar questões sobre a ludicidade que envolve o ambiente da biblioteca e da brinquedoteca em escola pública de ensino fundamental. Abrange fatores relacionados à leitura, seu poder lúdico e de ensino, correlacionando com a experiência lúdica desenvolvida em brinquedoteca.
Um dos pontos relevantes a ser considerado para elaboração desta pesquisa refere-se ao fato de que a Rede Municipal de Bibliotecas Escolares de Florianópolis (SC) possui apenas uma unidade escolar que conta com uma Brinquedoteca, a qual é a escola alvo desta pesquisa. Portanto, este estudo viria a contribuir para as demais 36 escolas da Rede Municipal de Ensino em auxiliar os profissionais bibliotecários a compreender e aplicar o lúdico do livro em suas atividades baseando-se na experiência da brinquedoteca.
A experiência de uma
brinquedoteca em unidade escolar é muito rica, sendo assim, propõe-se
fomentar a evolução educativa do aluno na busca por novos
conhecimentos através da parceria entre a biblioteca e brinquedoteca,
aperfeiçoar o espaço da brinquedoteca na escola, fazendo
com que seus projetos estejam atrelados aos da biblioteca, objetivando
especialmente o despertar à leitura.
Sabe-se que atividades de expressão lúdico-criativas atraem a atenção das crianças e podem ser um mecanismo de potencialização da aprendizagem. O dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define a palavra lúdico como “relativo a jogos, brinquedos e divertimentos” (FERREIRA, 2001, p. 465). Propomos estender este conceito acrescentando os livros infantis como objetos lúdicos ao despertar o prazer, a imaginação e a criatividade na construção das relações com o mundo. Para alguns “[...] o verdadeiro espírito lúdico é caracterizado pela busca da plenitude do homem [...]” (SILVA, 2000, p. 143).
Assim, o conceito de ludicidade que se quer apresentar relaciona-se a encontrar o prazer no texto e que este prazer se prolongue, conforme descrito por Amarilha (1997, p. 31): “A lembrança da leitura, o impacto dos eventos e reflexões experimentados no contacto com o texto podem perdurar por toda uma vida [...]”. O lúdico não está só no brincar, está também no ler, no apropriar-se da literatura como forma natural de descobrimento e compreensão do mundo.
Neste raciocínio, o espaço escolar deve ir além da sala de aula, criando ambientes mais motivadores e instigantes como a biblioteca e a brinquedoteca. A brinquedoteca coloca ao alcance da criança inúmeras atividades que possibilitam a ludicidade individual e coletiva, permitindo que ela construa seu conhecimento próprio. (RAMALHO, SILVA, 2003/2004, p. 26). É um espaço rico a ser explorado pelo bibliotecário. O bibliotecário, como profissional educador, deve estar atento a todas as possibilidades para atrair usuários utilizando diferentes recursos como estratégia. O poder de atrair a atenção das crianças é característica fundamental para profissionais que usam a ludicidade como método de ensino e este ambiente é propício para a primeira leitura e contato com o livro. A presença do bibliotecário neste espaço dá liberdade para a criança poder expressar sua vontade quando for à biblioteca.
O conceito de brinquedoteca aqui exposto abrange a existência de um espaço físico amplo, composto dos mais diversos tipos de objetos que estimulem o processo criativo, a imaginação e a ludicidade. Incluem: os brinquedos; os jogos; os livros, as fantasias e os fantoches. É um espaço organizado por tipos de objetos lúdicos, em uma distribuição espacial que facilite a integração dos diversos ambientes e a observação global das crianças.
A literatura evidencia ser brinquedoteca “[...] um espaço criado para favorecer a brincadeira. É um espaço onde as crianças (e os adultos) vão para brincar livremente, com todo o estimulo à manifestação de suas potencialidades e necessidades lúdicas”. (CUNHA, 1994, p. 13). Outros autores enfatizam a brinquedoteca num sentido mais amplo:
Falar sobre brinquedoteca é, portanto, falar sobre os mais diferentes espaços que se destinam à ludicidade, ao prazer, às emoções, às vivências corporais, ao desenvolvimento da imaginação, da criatividade, da auto-estima, do autoconceito positivo, da resiliência, do desenvolvimento do pensamento, da ação, da sensibilidade, da construção do conhecimento e das habilidades. (SANTOS, 2000, p. 58)
Existem também, outras definições de sentido mais prático, conceituando a brinquedoteca como um laboratório composto por dois grupos de indivíduos: os usuários, aqueles que elaboram alternativas lúdicas e, outros indivíduos que testam cada alternativa para aprová-la ou não. Desta interação resulta uma relação dialética. (SCHLEE, 2000, p. 62).
O contexto da brinquedoteca,
alvo desta pesquisa, pode ser resumido nas palavras de Muniz (2000, p.
86): “A Brinquedoteca da escola, diferente da Brinquedoteca em outros espaços,
estrutura-se de forma organizada no cotidiano escolar. Por entrar nesta
ritualização, ela ocupa um espaço do fazer escolar”.
Em paralelo está
a biblioteca escolar que oferece serviços para o benefício
dos alunos, professores, funcionários da escola e a comunidade,
garantindo a todos o acesso a informação. Cabe ao bibliotecário
de unidades escolares organizar a informação, auxiliar no
processo de ensino-aprendizagem, auxiliar na prática pedagógica,
bem como nas atividades culturais e recreativas dos membros da comunidade
escolar. A biblioteca escolar deve ser administrada como parte integrante
da escola, sujeita às suas normas e regulamentos. Os materiais contidos
em uma biblioteca escolar devem servir de suporte às atividades
educacionais e devem estar de acordo com os objetivos da escola enquanto
instituição educacional, cultural e recreativa.
A ludicidade que a leitura pode oferecer está ligada a inúmeros fatores, dentre eles podemos citar: a postura do professor diante do livro literário; a participação ativa do bibliotecário na seleção dos livros para socialização da leitura; o interesse do próprio leitor-aprendiz (aluno) na busca por novos conhecimentos e a consciência do direito de ler e não do dever de ler. Ferreira e Dias (2002) entendem que a leitura é um processo que deve ser ensinado, mas que os agentes devem interagir reciprocamente para conseguir êxito. O leitor-aprendiz e seu mestre (professor, bibliotecário, pais ou outro profissional) devem trocar experiências com objetivo de tornar cada vez mais autônomo o leitor-aprendiz, para então com sua autonomia construir seu saber.
A utilização dos livros no ensino-aprendizagem fundamentado para estudo e pesquisa torna formal e penoso o que deveria ser agradável. Muitos dos livros infantis atuais ensinam sem perder a ludicidade, mas é difícil para o educador aplicar todo este potencial. Sendo assim, a biblioteca na escola vem ao encontro das atividades pedagógicas para dar suporte informacional e colaborar na formação do leitor. Sobre a participação ativa do bibliotecário neste processo Caldin (2002, p. 26) coloca: “A escola e a biblioteca deveriam descobrir uma adequada escolarização da leitura literária, ou seja, propiciar à criança uma vivência do literário, conduzir as práticas de leitura literária e formar leitores assíduos”.
Considerando que o ato de
ler não é apenas “ver as letras do alfabeto e juntá-las
em palavras” (FERREIRA, 1985, p. 290), mas sim “decifrar e interpretar
o sentido de” (FERREIRA, 1985, p. 290) ou ainda, num sentido mais abrangente
- o propósito do letramento - o processo de leitura é saber
fazer uso da leitura e da escrita para as funções sociais,
em que o indivíduo tem capacidade de questionar e usar as informações
que capta do mundo nas suas práticas diárias (SOARES, 1999,
p. 13-27).
O que deve ser ensinado
é a decodificação das palavras, conhecer e saber identificar
as letras para formar a palavra. O que deve ser ensinado é a utilização
da leitura e da escrita na prática as quais podem auxiliar nas atividades
das mais simples às mais complexas, e conseqüentemente, fomentar
a reflexão para produzir novas condições para o letramento.
É um constante ciclo, onde são acrescentados novos fatos
e conceitos transformando o processo de produção do conhecimento.
A Biblioteca da escola atende aos alunos regularmente matriculados, à comunidade, aos professores e aos funcionários. Em agosto de 2004 a biblioteca passou a ser coordenada por uma bibliotecária, graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina. O objetivo da biblioteca é ampliar a sala de aula, incentivando a leitura, pesquisa, desenvolvimento social e de aprendizagem do aluno, disponibilizando os suportes de informação aos usuários, disseminando a informação.
A Brinquedoteca da escola faz parte de um projeto extra curricular. O projeto foi aprovado em novembro de 1998. Em fevereiro de 1999 a brinquedoteca começou a ser efetivamente utilizada. O objetivo da criação da brinquedoteca fundamentou-se na necessidade de resgatar o lúdico no Ensino Fundamental. Em 2002 a brinquedoteca passou a ser coordenada por uma brinquedista graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC, com Especialização em Alfabetização.
A brinquedoteca atende, além dos alunos da escola, crianças do Núcleo de Educação Infantil/NEI.
A pesquisa desenvolvida é de caráter documental e descritivo, tendo como principal fonte de coleta de dados o Caderno de Planejamento e Registros da profissional brinquedista que atua na escola. Neste caderno são registradas as propostas das atividades diárias, a descrição das atividades realizadas, o comportamento das crianças após as atividades e as reflexões e percepções da brinquedista sobre o seu fazer. A periodicidade do estudo foi limitada ao período do ano 2002 ao ano 2004.
Este estudo teve como procedimentos:
1) leitura sistemática do Caderno de Planejamento e Registro que compreende o primeiro trimestre do ano de 2002 a título de estudo piloto para identificação das principais atividades de leitura descritas neste documento que se relacionem com a literatura infantil;Os três cadernos, correspondentes aos anos de 2002, 2003 e 2004 estão subdividos em oito grandes partes: maternal, I período, II período, III período, 1ª série, 2ª série, 3ª série e 4ª série. Para este estudo, optou-se por analisar as partes referentes a 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries, por serem as classes que utilizam a biblioteca. As demais classes: maternal, I período, II período e III período fazem parte do Núcleo de Educação Infantil (NEI) e não utilizam a biblioteca da escola.
2) leitura sistemática dos Cadernos correspondentes aos anos de 2002, 2003 e 2004 e a leitura dos relatórios de avaliação trimestral da brinquedoteca como fonte complementar;
3) organização das categorias (área a qual se relaciona) identificadas nos Cadernos de Planejamento e Registro e relatórios de avaliação dos anos de 2002, 2003 e 2004; e,
4) análise das categorias identificadas nos Cadernos de Registros e relatórios de avaliação dos anos de 2002, 2003 e 2004.
Na contra capa do Caderno de Planejamento e Registros está afixado o Calendário Anual Escolar que é um instrumento administrativo da escola, planejado no início de cada ano. Este calendário está dividido em quatro bimestres. Para cada bimestre está prevista uma data para reuniões pedagógicas, pré-conselho e conselho de classe, festas, cursos, passeios, outras atividades administrativas e atividades que deverão ser realizadas com as crianças para aquele ano.
Cada subdivisão apresenta
a folha de identificação que contém o nome da responsável
pela brinquedoteca e a classe de alunos correspondente. No verso da folha
de identificação está contido o nome da professora
da classe, o nome dos alunos e de seus pais, os respectivos telefones para
contato e data de nascimento das crianças.
A primeira página
de cada subdivisão corresponde à descrição
da criança quanto ao seu desenvolvimento escolar (se já sabe
ler, escrever, se reconhece os números), a descrição
de seu comportamento (se é organizado, se tem iniciativa, se é
desatendo), e a descrição familiar (se tem pais separados,
se tem problemas em casa). Por fim, uma descrição do grupo
como um todo, como as crianças se comportam em sociedade.
Também anexada a esta página está o planejamento com
a professora da turma, com a lista do conteúdo a ser ministrado
pela professora naquele ano, dividido por bimestres.
Nas páginas seguintes apresenta a descrição dia a dia de toda a rotina da brinquedoteca. Nas primeiras linhas, a data, a pauta do dia (atividades que serão propostas para as crianças) e os materiais necessários para as atividades. Logo após segue com a descrição literal da sua proposta de trabalho, do comportamento das crianças perante esta proposta, do comportamento das crianças no decorrer das atividades e um parágrafo final com a descrição de sua percepção perante o grupo e observações sobre o comportamento das crianças que lhe chamam a atenção.
Após o reconhecimento do Caderno de Planejamento e Registro foi efetuada uma leitura sistemática correspondente ao primeiro trimestre do ano de 2002 a título de estudo piloto. O estudo piloto teve como objetivo identificar as principais atividades relacionadas à leitura (ler, contar, dramatizar) desenvolvidas na brinquedoteca de uma maneira geral, para dar uma idéia do contexto prático das atividades que podem ser realizadas neste espaço. A partir deste primeiro estudo foi possível listar as atividades relacionadas à leitura e as percepções e observações a partir destas atividades. As atividades relacionadas à leitura se baseavam na contação de histórias de diversos gêneros (humor, rimas, poesia, lendas, clássicos, folclore, contos de fada, entre outros). Na maioria dos casos, os relatos destas atividades eram acrescidos de uma descrição minuciosa destes momentos e dos efeitos que causaram nas crianças. Através deste estudo, verificou-se a significativa presença dos jogos nos relatos do Caderno de Planejamento e Registro. Considerando que o jogo é fonte riquíssima de ludicidade e para entender sua presença significativa no espaço da brinquedoteca foi feito um segundo estudo deste documento para listar os jogos, sua categoria (área a que se relaciona) e objetivo.
A partir do estudo piloto
sentiu-se a necessidade de retomar a literatura para entender melhor a
fonte principal de pesquisa, vista a necessidade de ter mais clara a relação
entre a literatura e as atividades desenvolvidas na brinquedoteca. As palavras-chave
na busca da literatura foram: literatura infantil, leitura, brinquedoteca
e jogos.
Ao retomar a literatura,
a primeira preocupação foi buscar títulos que abordassem
o tema Literatura Infantil com o objetivo de identificar quais estímulos
a literatura provoca na criança e como os textos infantis contribuem
na formação de leitores. Posteriormente, analisou-se a literatura
sobre Brinquedoteca para entender melhor a organização deste
espaço, sua finalidade, os objetivos e procedimentos pedagógicos.
A literatura sobre jogos ajudou a entender como eles estimulam ações
para leitura.
Algumas características sobre a profissional brinquedista foram as primeiras observações para compreender o contexto do relacionamento com a criança. A brinquedista é muito observadora, anota todos os comportamentos dos alunos em grupo e individualmente, planeja sempre o próximo encontro a partir de acontecimentos do encontro anterior e do planejamento com os professores. Observa se algum aluno tem dificuldade e procura atividades que irão ajudá-lo. Sua atitude na brinquedoteca não é de observadora passiva, ao mesmo tempo em que está observando está também participando da brincadeira com algum grupo ou criança e resolvendo possíveis conflitos que surgem. Interessante ressaltar que suas maneiras de ensinar e brincar com as crianças são bem democráticos e nas descrições notou-se a presença de sentimentos, emoções que caracterizam o trabalho junto às crianças, bem como a receptividade das crianças na brinquedoteca.
Os relatos e registros no caderno apresentam-se em ordem cronológica, iniciam o planejamento das propostas para aquele dia e a descrição detalhada de como transcorreram as atividades. O modo de olhar o caderno e as informações ali contidas visaram a busca de relatos que tivessem alguma ligação com a literatura, contação de histórias ou dramatização.
Logo no primeiro dia de brinquedoteca na data de 20 de fevereiro de 2003, tem-se o relato: “Logo que chegou, B. pediu-me história. Como não havia preparado uma, eu contarei no próximo encontro.” O fato demonstra que os alunos já tinham uma expectativa e interesse em ouvir histórias dentro da brinquedoteca. Outro relato que demonstra isto está registrado no dia 30 de abril de 2003: “Algumas meninas pediram para ir à biblioteca. Foram e ficaram lendo.[...] Na roda final contaram as histórias lidas. Conseguiram sintetizar em algumas frases todo o livro. As outras crianças ficaram atentas ouvindo”.
O relato do dia 2 de abril de 2003, reflete sobre a diversidade no nível de maturação da criança para determinadas histórias: “Contei a história e gostei de ter contado. Percebo neste grupo crianças que ainda vivenciam a fantasia dos contos de fada e crianças que já estão em outro nível, que já pedem outro tipo de enredo [...] Tenho que pesquisar outros tipos de histórias.” Neste registro observou-se a importância dos contos de fada e sua representação para a criança e percebemos a diversidade de gostos literários. Assim, uma biblioteca escolar deve possuir em seu acervo uma vasta diversidade de gêneros literários para contemplar todas as crianças.
No dia 27 de fevereiro de 2003 a proposta era brincadeira livre na brinquedoteca, neste dia a brinquedista observou que o grupo tinha dificuldade em organizar-se, falavam ao mesmo tempo, sem chegar a um consenso. E questiona: “Estão precisando de alguém para dizer; quem são? Onde estão? O que estão fazendo? [...] Acho que ajudaria se eu contasse uma história e após eu os questionasse sobre os personagens, lugar, clima...” Disto pode-se concluir que, como solução para o problema do relacionamento coletivo, propõe uma atividade de leitura, convidando a reflexão.
Outras atividades de reflexão, construção de conhecimento e ligação de fatos com a realidade são observados nas propostas de atividades que envolvem biografias. No dia 20 de março de 2003 a brinquedista contou a história de vida do pintor Portinari. A partir de então, propõe ao grupo uma atividade de pintura. São formas que estimulam na criança a visão da relação que faz da história com uma atividade prática. Em outra ocasião, no dia 7 de maio de 2003 ouviram a história do pintor Van Gogh. Após ouvirem atentamente a história, fizeram intervenções acerca da pintura apresentada e organizaram uma exposição no hall da escola com os quadros que pintaram e o livro de Van Gogh. A pintura e a leitura do livro fizeram as crianças relacionarem significados e entender a prática.
Outro recorte significativo é apresentado no dia 6 de junho de 2003: “Adorei contar a história do Pinote. Como esta história suscitou comentários que fizeram o grupo refletir. [...] Este grupo foi falando, falando...” Nota-se o desenvolvimento crítico estimulado pela história.
No decorrer dos registros são observados vários momentos de interesse dos alunos com livro e leitura, em relatos que informam que deixam de brincar para ler. Também relatos de alunos que participam trazendo livros, textos e histórias para enriquecer ainda mais o espaço e as atividades. Outro ponto que merece reflexão é evidenciado com o sentimento explicitado pela brinquedista. A sua ligação forte e o envolvimento que tem com as crianças faz-nos refletir sobre o comportamento técnico do bibliotecário, que dificulta o relacionamento mais afetivo com a criança.
Este modo lúdico da criança entender a leitura é parte da relação do lúdico com o jogo, a criança projeta esta relação como sendo um ensaio do mundo adulto. Os “jogos” (atividades) explorados no espaço da brinquedoteca são estimuladores para o uso da literatura.
A ligação com a biblioteca se dá a partir do momento em que os profissionais entendem que para a criança é tudo um grande “jogo” e que podemos contribuir fomentando este sentimento com atividades complementares e criando maior proximidade com a criança num relacionamento mais afetivo.
Com relação a procedimentos estruturados de trabalho, a biblioteca poderia adotar, assim como a brinquedoteca, um diário de atividades, um documento riquíssimo para posteriores consultas e para ser usado como referencial, um calendário anual de atividades e um planejamento de atividades que poderá ser bimestral, trimestral ou semestral de acordo com a metodologia adotada pela escola.
Assim, a prática bibliotecária assumiria seu papel reflexivo, investigador e pesquisador através de um documento de memória histórica que traga um conjunto de ações e percepções acerca do comportamento infantil diante da literatura. Certamente, um documento único, pela riqueza que o compõe e de forte originalidade para o fomento da pesquisa sobre as novas possibilidades do fazer bibliotecário.
Keywords: School library;
School - Toy Library; Reading; Playful.
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Revista ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis, v.11, n.1, p. 97- 109, jan./jul., 2006.