A LEITURA COMO FUNÇÃO PEDAGÓGICA: O LITERÁRIO
NA ESCOLA
Clarice Fortkamp Caldin
Resumo
O literário e o pedagógico estão imbricados na literatura
infantil desde seus primórdios. A escola, ao priorizar o didático
em detrimento do lúdico em textos para crianças, transforma
a leitura em função pedagógica. Entretanto, arte e
educação podem ser parceiras na fruição literária,
se a escola fornecer às crianças os estímulos adequados
à leitura.
Palavras-chave: Leitura – Função Pedagógica;
Literatura Infantil; Escola e Leitura
1 INTRODUÇÃO
Desde o século XVII, tem sido objeto de polêmica a questão
da literatura infantil pertencer à arte literária ou à
área
pedagógica. Após percorrer a fortuna crítica desta
problemática, pode-se pensar que os textos para crianças pertencem
tanto à
literatura quanto à pedagogia, pois eles provocam emoções
e servem de instrumento educativo.
A exemplaridade implícita nas narrativas para crianças obscurece,
muitas vezes, o caráter estético e literário desses
textos. Tal caráter, entretanto, está presente mesmo que
timidamente, poder-se-ia mesmo dizer envergonhado desse jogo
lúdico e sedutor.
Porém, acima desta polêmica é incontestável
que os elementos que estabelecem a arte – a invenção, a interpretação,
a
liberdade – são os mesmos que permeiam a infância, e, por
esse motivo, a criança está muito perto da arte.
Lembrando que a arte literária é um dos caminhos para aprender
a aprender, para descobrir os mistérios e os encantos da
vida, não é estranha a função pedagógica
da literatura infantil. Tal função implica o dirigir e o orientar
o uso da informação e
implica também o crivo da escola e da biblioteca no controle da
escolha dos textos pelas crianças. Dessa forma, a criança
é
“conduzida” ao entrar no universo ficcional. Colaboram para isso ainda,
a família e o mercado livreiro.
Aliado ao texto, que, sob a tutela da escolha da escola - professor e bibliotecário
- a maior parte das vezes contém
mensagens formadoras, a ilustração contribui para explicitar
as características físicas e morais das personagens, conduzindo
a
identificação com o herói e a rejeição
ao vilão. Assim, explicam Maria José Palo e Maria Rosa de
Oliveira (1998), a ilustração
desempenha também uma função pedagógica na
medida em que confere veracidade à narração, condiciona
o entendimento da
intriga e fornece modelos comportamentais. A imagem, então, procura
sintetizar a mensagem para a criança, muitas vezes
impedindo que sua leitura seja polissêmica, pois a imaginação
já foi suprida pela ilustração.
Ao afirmar que a leitura é uma questão pedagógica,
Eni Orlandi (1996), mostra também que a escola encara a leitura
como um instrumento útil ao aprendizado, desprezando sua função
lúdica. Ao propor uma forma de leitura homogênea,
privilegia a classe média em detrimento dos alunos de baixa renda.
Acrescenta que a ideologia escolar enfatiza a leitura
parafrásica e ignora a leitura polissêmica, recusando ao leitor
a participação no texto. Também, ao ignorar o fato
de que o aluno
convive com outras formas de linguagem que não a verbal, a escola
legitima leituras – sendo a ideal a que o professor assim
acredita – privando o aluno de manifestar suas outras leituras - as vivências
com as outras formas de linguagem.
Em que pese que a leitura pedagógica muitas vezes desconsidera as
ambigüidades de sentidos, está presa às amarras
do sistema e deixa o aspecto lúdico obliterado pelo caráter
didático, a escola é um espaço privilegiado para o
desenvolvimento do despertar para a leitura.
O presente artigo apresenta algumas ponderações sobre o pedagógico
e o literário na literatura infantil, o papel da escola
na leitura de textos literários para crianças, e, o didatismo
nos livros infantis brasileiros.
2 O PEDAGÓGICO E O LITERÁRIO NA LITERATURA INFANTIL
Vale pontuar alguns aspectos do problema de imbricar o pedagógico
com o literário na literatura infantil. Por exemplo,
Charles Perrault, em Histoires ou contes du temps passé avec
des moralités, escrito em 1697, tem a intencionalidade
pedagógica de transmitir valores morais à criança
do século XVII, recém-descoberta na sua particularização.
Essa criança,
vista sob uma nova óptica, recebeu não apenas vestimentas
e brincadeiras diferenciadas, como também e principalmente uma
educação escolar, religiosa e familiar que permitiu moldá-la
aos ideais dos adultos (CALDIN, 2001).
Com objetivo pedagógico é que foi criada a literatura infantil,
formadora por excelência do intelecto e da moral da
criança, que é considerada inocente, frágil e totalmente
dependente do adulto.
O modelo narrativo para crianças, então, reveste-se de uma
pedagogia do terror, em que o único sentimento forte é o medo
do castigo. Por esse motivo, as personagens “más” são punidas
severamente.
Observa-se que o maniqueísmo está sempre presente como ensinamento
moral e a ordem/desordem permeiam toda a
narrativa. A ordem se configura como o belo e o bem e a desordem, com o
feio e o mal.
Às personagens-tipo que incorporam o mal, restam dois caminhos:
ou se arrependem e se regeneram, ou são castigadas
com a tortura ou a morte. Esse clima de terror é passado tranqüilamente
nos textos infantis, em nome da moral e da
educação. Legitima-se como o poder do adulto na punição
de comportamentos indesejáveis e que devem ser extirpados a todo
custo. Nem sempre danosa, a culpa muitas vezes é apenas a curiosidade
ou a desobediência à autoridade dos mais velhos,
que deve ser acatada sem questionamentos.
Um marco de ruptura com esse modelo, é fornecido por Lewis Carrol,
com Alice no país das maravilhas, que rompe
com o didatismo da literatura infantil francamente utilitária e,
pelo Nonsense, instaura o lúdico, no que é seguido por outros
autores (CALDIN, 2001).
A criança, hoje, neste início do século XXI, não
é mais considerada ingênua, indefesa ou totalmente dependente.
Participa das mesmas recreações do adulto, tais como televisão,
jogos difíceis de computador e internet. Tem consciência de
sua sexualidade, é questionadora e crítica. Além disto,
não se submete passivamente à autoridade e não aceita
a leitura dirigida
e dogmática.
A mudança dos tempos e a mudança de paradigmas têm
profundos reflexos na literatura em geral e particularmente, na
literatura infantil. É por esse motivo que Nelly Novaes Coelho (1987)
afirma que a literatura infantil vai sendo “despejada” na
criança ao sabor dos ventos de mudança: se for época
de consolidação de valores, ela terá sempre intencionalidade
pedagógica; se for época de crise de valores, ela será
arte, ludismo, descompromisso; por outro lado, quando o movimento
é de renovação, a literatura infantil é informativa.
3 O PAPEL DA ESCOLA NA LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS PARA CRIANÇAS
Não se pode negar que a leitura de textos literários para
crianças passa, predominantemente, pela escola.
A educação clássica, que enfatiza a formação
intelectual, valoriza o texto e se constitui na origem do atual sistema
escolar, surgiu na Grécia, no século V a.C.
De início utilizava apenas a linguagem verbal e a linguagem corporal,
direcionada aos nobres guerreiros – a chamada educação integral.
Provavelmente, eram narrados de forma oralizada os poemas épicos
de Homero, como incentivo aos que em breve entrariam na batalha.
A escrita, por essa época, era de uso exclusivo dos escribas. O
nascimento da escola coincidiu com o
desenvolvimento da filosofia, da história, da medicina, da retórica,
da política, do teatro, da poesia e com a expansão da
escrita. Mesmo Platão, que condena a escrita como veneno da memória,
utiliza-se da primeira para eternizar sua obra.
Paralela à escrita, desenvolveu-se a leitura. Crê-se que as
primeiras bibliotecas públicas destinavam-se, sobretudo, a suprir
os professores e alunos. De fácil circulação em virtude
do baixo custo do livro à época de Platão e durante
a dominação do
império romano, o livro, na baixa idade média ficou restrito
aos mosteiros e aos noviços alfabetizados que se tornavam copistas.
Os manuscritos escondidos nos mosteiros só começaram a circular
com a entrada de alunos leigos nas escolas monásticas.
Com o advento das universidades, no século XII, o livro transformou-se
em instrumento de trabalho, sendo copiados
mais e mais textos, preferencialmente revisados pelos professores. Com
a ascensão da burguesia e o enfraquecimento
do feudalismo, a leitura não era mais privilégio de poucos.
Na sua ânsia de ter acesso ao saber anteriormente restrito aos
nobres, e ao status advindo disso, a burguesia privilegiou a escola e a
difusão dos livros (MESERANI, 1995).
Dessa forma, a escolarização, tornada obrigatória
a partir do século XIX, institucionalizou o ensino e proporcionou
o
direito à educação às crianças das camadas
populares. Propiciou o desenvolvimento lingüístico da criança
por meio da leitura e
uma compreensão do mundo.
Para Regina Zilberman (1985), a emergência da classe burguesa trouxe
um novo conjunto de valores: a promoção de
um governo sem influência da aristocracia, ascensão na sociedade,
a livre iniciativa e a educação pessoal. Esse último
é
a alavanca para a promoção do ensino e, conseqüentemente,
da leitura. As artes se modificaram: a epopéia foi substituída
pelo
romance; apareceram os tratados de pedagogia e a literatura infantil.
Assim, pode-se dizer que a criança, cujo contato com o mundo se
faz pelo ouvir e pelo ver, ganha o texto escrito por
meio da escola e tem acesso à cultura que o adulto usufrui. Presa,
entretanto, à ideologia dominante, a literatura infantil
transforma-se em instrumento pedagógico, ao transmitir os valores
vigentes como forma de garantir sua perpetuação.
O modelo burguês de ensino propicia à criança o contato
com a literatura infantil recheada de ensinamentos, de normas e
de moralismo. Entretanto, a visão de mundo do adulto é passada
à criança com alguma condescendência: a inserção
de animais e fadas na narrativa ficcional, que servem como disfarce do autoritarismo
e valores adultos. Dessa forma, camuflada e
temperada com seres que interessam à criança e aguçam
sua imaginação, a literatura infantil se constitui como um
suporte
pedagógico institucionalizado.
É fato que, na escola, dá-se uma gradativa, mas irreversível
democratização do saber, pois é pela alfabetização
que a criança desenvolve o ato de ler, decodifica os sinais escritos
e atribui significados ao texto.
A escola, entretanto tem cometido um grave erro: ensina a leitura como
um ato mecânico. Uma vez que a criança aprende a
ler, não esquece o código, mas, perde a assiduidade pela
falta de incentivo, de recursos e de informação sobre a importância
da obra literária. Lê anúncios, out-doors, placas –
mas não lê literatura. Isso se deve, em parte, ao fato de a
escola operar
basicamente com a função referencial da linguagem, centrada
sobre os referentes textuais, desprezando a função poética
como
capaz de contribuir ao desenvolvimento lingüístico.
Existe, entretanto, segundo Perrotti (1990, p. 65), “a crença generalizada
na possibilidade de escola e biblioteca
desempenharem um papel redentor para vencer a ‘crise da leitura’”, pois
pelo seu caráter especializado, escola e biblioteca
poderiam viabilizar o processo de leitura e da formação do
leitor, bem como disponibilizar o acesso aos textos literários e
incentivar o uso do livro.
Lembra Perrotti (1990, p.71-72), que colaboram com o desinteresse da criança
pelo livro “o autoritarismo explícito das
práticas escolares” que fornecem “modelos pedagógicos baseados
na obediência do aluno a regras definidas pelo
professor”.
Cumpre destacar, também, que a escola se apropria da literatura
infantil que, no mais das vezes, é produzida para a
escola, no que Magda Soares (1999, p.17-18), chama de “literalizar a escolarização
infantil” no sentido de “tornar
literário o escolar”.
Para Soares (1999), constituem instâncias de escolarização
da literatura infantil a biblioteca escolar, a leitura e o estudo de
textos literários. A biblioteca escolar, que funciona como local
de guarda e de acesso à literatura, organiza o espaço e o tempo
da leitura, faz a seleção de livros e determina rituais e
socialização de leitura. Por sua vez, a leitura escolarizada
é sempre determinada e orientada por um professor e vem seguida de
avaliação francamente explícita ou velada. Assim, não
se lê
por prazer, mas por dever. O estudo de textos literários incide,
na maior parte, sobre fragmentos enxertados nos livros didáticos e
contemplam o gênero narrativo e poemas. Ausentes quase sempre estão
o teatro, a biografia, o diário, as memórias e as epístolas.
A respeito do livro didático, acrescenta Soares (1999, p. 42), “se
é inevitável escolarizar a literatura infantil, que essa
escolarização obedeça a critérios que preservem
o literário” e que “propiciem à criança a vivência
do literário, e não uma
distorção ou uma caricatura dele”.
Dessa maneira, a escolarização da leitura literária
não é errada em si mesma, consistindo o erro em sua inadequada
escolarização. A escola e a biblioteca deveriam descobrir
uma adequada escolarização da leitura literária, ou seja,
propiciar à
criança uma vivência do literário, conduzir a práticas
de leitura literária e formar leitores assíduos. Isso acabaria
com a tensão
existente entre o discurso pedagógico e o discurso estético
no processo de escolarização.
Entretanto, em que pesem as desvantagens da leitura “conduzida” na escola,
Eliana Yunes e Glória Pondé argumentam que “por trabalhar
com o leitor desde seu primeiro contato com as letras, a literatura infantil
efetivamente pode constituir-se na alternativa competente para a crise da
educação e da comunicação no mundo moderno”.
Lembram ainda que “a passagem da oralidade à escrita exige o domínio
do código específico, o dos sinais gráficos e suas combinatórias,
isto é, carece de uma competência adquirida basicamente na escola”.
( YUNES; PONDÉ, 1998, p. 52, 59).
A esse respeito, manifesta-se também Maria Antonieta Antunes Cunha
(1999, p. 92), no dizer “de que a leitura tem enfoque equivocado na escola
não há dúvida” mas, continua, a menos que decidamos
deixar a questão a cargo de acasos felizes, a nossa escola, é,
sim, uma das últimas, se não a última oportunidade que
têm a criança e o jovem de entrar em contato sistemático
com a leitura, em especial com a literatura.
Ao ressaltar o caráter educativo da escola, necessário ser
torna inserir a leitura literária como componente educador da
criança. Assim, ao lado da aprendizagem instrucional que admite
a mensuração, existe a aprendizagem expressiva, que
contempla a análise, a avaliação e a transformação
que admite a interpretação – campo por excelência da
literatura, que pode ser explorado pela leitura de textos.
Daniel Pennac (1998, p.78) condena os currículos escolares que desestimulam
e mesmo inibem o desejo de ler, ao dizer que “parece estabelecido por toda
a eternidade, em todas as latitudes que o prazer não deva figurar
nos programas das escolas e que o conhecimento não pode ser outra
coisa senão fruto de um sofrimento bem comportado”.
Vale lembrar que, muito embora seja a escola a instituição
responsável pela alfabetização da criança, é
o estado que
determina a política de leitura a ser desenvolvida, tendo em vista
as necessidades da sociedade. Tal ação pedagógica manifesta-se
pelas diretrizes de ensino e pelos currículos, pela criação
de bibliotecas públicas e escolares e pela divulgação
de obras literárias infantis.
4 O DIDATISMO NOS LIVROS INFANTIS BRASILEIROS
O Brasil, ligado à tradição européia, desde
seus primórdios tem feito circular as narrativas orais do folclore
popular.
No Brasil Colônia essas narrativas, sempre de cunho moralizante,
foram difundidas pelas escolas dos jesuítas. Com a
reforma instituída por Pombal e a extinção das ordens
religiosas, o ensino leigo vetou qualquer tipo de movimento cultural, visto
como ameaça ao poder de Portugal.
Nelly Novaes Coelho (1995) mostra que com a vinda da D. João VI
ao Brasil e a instalação da biblioteca nacional, houve
uma mudança de mentalidade: os livros começaram a circular
e se iniciou a tradução e escrita de obras literárias
voltadas para a
criança, mas sempre vinculadas à escola.
Com o romantismo, é dada ênfase ao “saber letrado” – privilegiou-se
o culto da inteligência. Escritores e educadores
preocuparam-se em organizar livros de leitura, que se consistiram na primeira
tentativa de literatura infantil em nosso
país. Caracteriza-se pela presença do nacionalismo, da inserção
do maravilhoso, com conteúdo humanístico e moralizante.
É o que se pode observar nos livros de leitura que os estudantes
brasileiros do século XIX já dispunham, dos quais
pode-se citar, de acordo com Regina Zilberman (1997), Tesouro dos meninos
- dividido em três partes: moral, virtude e
civilidade; e Leitura para meninos - uma coleção de histórias
morais relativas aos defeitos das crianças.
No período imperial, Abílio César Borges, o Barão
de Macaúbas, lançou o Método Abílio, com o objetivo
de
desenvolver a leitura nos alunos. Apareceu a série de livros didáticos
de João Kopke, que priorizava o livro de leitura como
base de memorização e de linguagem oral elevada. No mesmo
período, surgiu a seleta Língua Pátria, com autores consagrados.
Impunha-se tal procedimento por acreditar que o gosto literário
seria apurado se o aluno dispusesse de bons autores e se fizesse continuamente
a leitura deles (ZILBERMAN, 1997).
A literatura infantil brasileira surgiu, realmente, no período de
transição entre monarquia e república, na ascensão
da
burguesia, lembra Regina Zilberman (1985). Acrescenta que “o texto literário
preenche uma função pedagógica, associando-se
muitas vezes à própria escola” e isso “por semelhança
(convertendo-se no livro didático empregado em sala de aula) ou
contigüidade (o livro de ficção que exerce em casa a
missão do professor)” (ZILBERMAN, 1985, p.97).
A revolução de 1930 e a criação do Ministério
da Educação regularizaram o ensino primário e o secundário.
A
nova matéria dos programas do curso fundamental do ensino secundário,
Português, tinha por meta principal habilitar o
estudante a exprimir-se corretamente e despertar o gosto pela leitura.
A leitura era o ponto de partida de todo o ensino, tanto
com fins educativos como culturais. Em 1942 foram editadas novas instruções
pedagógicas para o curso ginasial, com um
capítulo inteiro do projeto dedicado à leitura visando despertar
à consciência patriótica e a consciência humanística
(ZILBERMAN, 1997).
As décadas de 30 e 40 presenciaram o crescimento da rede escolar
e o incremento do livro didático como fator educador e
nacionalista. Nos anos 30 apareceu o antagonismo entre a realidade e a
fantasia que os livros apresentam. Assim, foi
priorizada a informação e foram condenados os contos de fadas.
A literatura em quadrinhos, na década de 40, mostrou o mundo atual
da violência, com seus heróis importados, de leitura voltada
para os meninos. Para as meninas, adotou-se outro
padrão, com a Biblioteca das Moças, entre outras – uma literatura
rósea, de resquícios romântico e paternalista. Na
década de 50 instalou-se uma crise da leitura, com a preferência
do público para o rádio, o cinema e a televisão. Nos
anos 60 foi a música popular que preencheu a lacuna da poesia, num
mundo onde a imagem prevalecia sobre o texto (COELHO, 1995).
As reformas educacionais têm continuado a priorizar o didatismo na
literatura infantil e, praticamente a excluir o
maravilhoso e o lúdico. Tão perto quanto na década
de 70, observa-se que os livros didáticos ainda mantinham a concepção
de que a leitura formasse a base do ensino e de que a leitura obrigatória
na escola abria caminho para a leitura prazerosa e
gratuita fora dela.
Mas, foram os anos 70 que presenciaram a explosão da literatura
infantil no Brasil. Os textos dogmáticos cederam lugar aos textos
questionadores, abertos a inúmeras possibilidades de leitura. O texto
literário ganhou ilustrações sedutoras e pôde
rivalizar com os meios de comunicação de massa. Desde então
tem crescido o número de escritores voltados para o público
infantil, num movimento renovador dos textos literários para crianças.
Paralelamente a isso, as diretrizes educacionais têm
privilegiado o texto literário como entendimento da língua
vernácula.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conquanto a escola tenha servido como disseminadora da leitura, o que se
observa, segundo Samir Meserani (1995, p.41-
42), é que “os textos de vanguarda, mesmo se eruditos, não
entram nas leituras escolares, a não ser quando envelhecidos no
tempo e fora de suas possibilidades inovadoras mais revolucionárias”.
Neste sentido, a escola torna-se uma agência de informação
defasada, pois lê a ciência e a arte fora da atualidade
em que estas produziram suas informações. Em decorrência
desta defasagem, a criança fica “confinada culturalmente”.
Edmir Perrotti (1990) condena o confinamento cultural ao qual a criança
é submetida. Para o autor, esse confinamento, levado
pela escolarização forçada, submete a criança
a uma leitura sem cultura, reduzida a cunho utilitário. Desta forma,
o lúdico na
leitura é suplantado pelo didático e pelo instrumental e
a leitura é uma atividade obrigatória, enfadonha e moralista.
Além disto, a escola, ao padronizar o texto literário e esquecer
a individualidade da criança, ao invés de criar o
“hábito” da leitura, que é seu objetivo, na verdade o que
consegue é aborrecer o aluno e afastá-lo do livro.
Para as educadoras Emília Ferreiro e Ana Teberoski (1985), num sistema
educacional que não é justo, nem
igualitário, nem eficaz; que apresenta o absenteísmo e a
deserção escolar, não é de se admirar que a
leitura de textos
literários não se realize com sucesso. O fato é que,
ao ser oferecida uma leitura padronizada, a criança não tem
oportunidade de desenvolver um gosto literário pessoal.
Segundo a pedagogia de Ezequiel Theodoro da Silva (1981), deveria constituir
o objetivo da escola o implementar
uma verdadeira ação cultural, promovendo leituras críticas
e geradoras de novos significados. Mas o que se observa,
entretanto, é uma escola que mal consegue alfabetizar, quanto mais
formar leitores.
Pode-se dizer que o sentido didático que a literatura infantil deve
ter é a que a “geração realista” dos autores tem
apresentado: a realidade atual, com os seus problemas sociais, políticos
e econômicos, mostrada sob a óptica da fantasia, do
mágico e do lúdico.
Ao acreditar que é possível educar pelo humor, substituindo
a antiga seriedade, os novos textos apresentam situações engraçadas
das personagens que, agora, são caracterizadas por crianças
que experimentam vivências diversificadas sem passagens moralizantes.
Muito embora a literatura infantil tenha nascida comprometida com a educação,
não se afastou da arte. E o fato
de ter uma função pedagógica não a desmerece,
pois, como diz Vera Teixeira de Aguiar (1999, p.242), “ a função
da arte é
amplamente educativa, porque o texto literário abre sempre novas
possibilidades de sentido ao leitor”.
Assim, a criança terá maiores chances de ser boa leitora
se receber os estímulos adequados na escola para a fruição
literária
pela leitura; se os bibliotecários montarem um acervo diversificado
e atraente de livros infantis; se os professores não
transformarem em obrigação o que deveria ser prazer e se
a preocupação dos mestres for a aprendizagem cultural e não
apenas informativa.
No Brasil, o insucesso escolar, fartamente destacado pela imprensa, é
em grande parte devido ao não domínio da maioria
do povo da habilidade de ler. A reversão desse problema só
pode ocorrer se a escola e a biblioteca trabalharem juntas em
prol do leitor. Se isso for feito desde as primeiras séries, tal
parceria tem possibilidade de estimular, desenvolver e promover
práticas leitoras com o uso da literatura infantil.
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YUNES, Eliana; PONDÉ, Glória. Leitura e leituras da literatura
infantil. São Paulo: FTD, 1998.
___________________
READING AND ITS PEDAGOGICAL FUNCTION: LITERATURE IN SCHOOL
Abstract
Literature and pedagogy have been intertwined in child literature from
its beginning. schools, when emphasizing the didactic aspects of child literature
to the detriment of pleasure, highlight the pedagogic function of reading.
However, art and education can be partners in literature if schools motivate
children to read.
Keywords: Reading – Pedagogical Function; Child Literature; School
And
Reading
____________________
Clarice Fortkamp Caldin
Mestre em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina
Professora do Departamento de Ciência da Informação,
do Centro de Ciências da Educação, da Universidade Federal
de
Santa Catarina.
E-mail: claricef@matrix.com.br
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, v. 7, n. 1,
p. 22-33, 2002.